Je vous ai apporté des bonbons 2014
Acrílicos s/ tela 125x195 cm
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Quel bon
dimanche pour la saison 2014 Acrílicos s/ tela 125x195 cm
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Les bonbons c’est tellement bon 2014
Acrílicos s/ tela 125x195 cm
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Les gens me regardent de travers 2014 Acrílicos s/ tela 130x180 cm
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Je viens rechercher mes bonbons 2014 Acrílicos s/ tela 125x195 cm |
J'espère qu'on pourra se promener I 2014 Acrílicos s/ tela 80x100 cm |
J'espère qu'on pourra se promener II 2014 Acrílicos s/ tela 80x1o0 cm |
J'espère qu'on pourra se promener III 2014 Acrílicos s/ tela 80x120 cm |
J'espère qu'on pourra se promener IV 2014 Acrílicos s/ tela 80x120 cm |
Se quiser ler isto como um manual de instruções, saiba que
há duas versões de uma voz podendo, para entrar no jogo, supor-se uma feminina
e outra masculina – o que não é certo, mas serve para o caso.
Há então aquele momento em que a tal canção deixa de se
ouvir e ele (de novo uma suposição - é de si que se trata) desiste de entender
a razão daqueles estranhos recém-chegados, troca de lugar com ela (novo
personagem igualmente aleatório) e entra no barco branco, deixando-se ir nas
águas para longe da praia. À medida que se afastam, ouvem menos a restolhada
dos pássaros a lutarem pelos ninhos das
árvores e a caírem quando falham, cada vez mais bravos. Mas, ainda confundidos
com eles, numa fúria repentina impossível de travar, um dos dois (não interessa
qual) olha para trás e, em jeito de sniper,
atira aos maiores, repetidamente, apenas conseguindo aumentar a violência com
que se debatem e devoram. Sem perder mais tempo, com um nó na garganta, contemplam os tons do
crepúsculo que se afunda escuro, morno e perfumado, sobre a imagem idílica da
paisagem. Da água vem a mesma melodia que toca baixinho e luzes, brilhos que se
confundem com peixes voadores mas, tal como se ignora a subida das marés, não
se sabe o que são.
Deixam-se ir.
A segunda folha do manual diz para voltar atrás e começar de
novo, por exemplo, pela tampa de uma caixa (de bombons, pode ser), como porta
de um cenário sem palco que você mesmo pode atravessar numa dança muito sua (valsa,
hip-hop ou vira, twist, tanto faz, só na aparência é a solo pois estou lá também).
O mundo é esse lugar e este o nosso tête-a-tête, mas as imagens desse mundo são-no apenas no sentido de
constituírem provas visíveis da passagem dele por nós dois, e pela sua
capacidade de fundação no nosso próprio imaginário: precário espelho,
insinuante, suspeito. O delito cometido reside no próprio olhar: ele age. Mas,
desde que ver se tornou um ato comunitário (tanto ou mais do que individual porque,
já se sabe, cada par de olhos contém milhões de outros e a vulgaridade alastra),
por culpa dele, do olhar, nada é uma única coisa: ou seja, uma pedra não é
apenas uma pedra, nem uma nuvem um mero acidente no céu. O desafio então é
entrar nesse abismo, ver pouco a pouco e de pernas para o ar, ir descobrindo. E
aceitar que, quando se julga agarrar, se perde de novo. Porque, tal como a
matéria líquida e escorregadia (feminina?), o tempo é caprichoso. Na pintura, a
imobilidade é apenas corpo da suspensão impossível do tempo. Mas, se tudo
correr bem, escuta-se nele nova voz subtil, numa extraordinária coincidência
(de ecos?) que revela a estranha dificuldade da solidão ao eremita mais
convicto.
É aí que, no manual de instruções, depois de je viens rechercher mes bonbons, falta a
terceira página. Apenas podemos constatar os nossos personagens num miradouro
talvez flutuante, ou à beira de um rio ou de um lago paradisíaco: pastam
animais afáveis, alisam pratas de bombons até terem toque de cetim, alinham
cores por parecenças e contrastes, pura contemplação ao som da pulsação natural
nas veias, tranquila; talvez guardem essas
peles coloridas e brilhantes em pacotes de diferentes formatos, que rapidamente
encherão tudo, talvez com elas façam uma nova ilha, uma jangada ou uma nave que
desafie as águas que tudo invadem e permita partir de novo, navegar ou voar, regressar
de novo, ser, sentir, agir (?).
Com a caixa, é certo, vinham flores vermelhas. Inesquecíveis
como a alegria no estado puro, que mareja os olhos sem querermos. Tão perissables.
Algo absolutamente imprescindível, e por isso.
Isabel Sabino, abril de 2014