terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Four seasons, Please!

Four seasons, please!
Pinturas e desenhos 2017 e 2018

Num estúdio com quatro paredes sem janelas, onde a vida entra pouco pela clarabóia e a porta apenas se abre para o indispensável, o ar fechado sugere metáforas do clima e ecoam histórias que se infiltram nas cores, inicialmente sem disciplina. Na experiência ali essencial impõe-se entretanto alguma necessidade ou regra. Depois, uma espécie de contabilidade de estúdio inventaria, no interior da série concluída: um almanaque popular, um conto, quatro filmes e quatro fotografias de árvores para doze pinturas e alguns desenhos.
Assim, incertamente como no Inverno, é num dia de Inverno - mesmo invernoso - que aquele pintor compreende com Jennie o que é a pintura. Também num Outono outonal, António quer pintar o sol fugidio e guardá-lo no claro-escuro dos frutos que a gravidade faz tombar; longe dali, escreve Dick, uma Lori chamada pelas macieiras que definham ressurge depois da morte na cor dos frutos novos. Por sua vez, Henriette nunca regressa àquele baloiço, sob o instável jogo de luz da folhagem em pleno Verão (aliás, filho de quem era, Jean sabia o que fazia). Finalmente, na Primavera, quando certa cidade desperta de novo para uma realidade em paz, um arquitecto deseja começar por plantar árvores para a sua renovação. 
Isso pode ter acontecido há muito tempo.
Entretanto, se ainda ali uma voz off diz que a beleza tem variados modos de se manifestar, por vezes caprichosos, uma outra distante preconiza prosaicamente, no Borda D’Água, mês a mês e estação a estação, o que fazer na agricultura, na jardinagem, ou com os animais - embora nem todos. 
Pois com árvores há que plantar, podar, enxertar, semear, caiar, colher, limpar, adubar, proteger. Com a pintura os cuidados são outros. Mas, como pintar é um gesto poroso, mesmo quando fala de si própria e por si própria a pintura reflecte a passagem das coisas, a beleza do mundo e o perigo do seu apagamento. Por agora, ficam quatro tempos -  da realidade, da vida, da invenção e da arte - em quatro estações da pintura.

E, se aqui na realidade parece haver two seasons left (sob pontuação ao vosso critério), entretanto depressa regressa o estúdio, por vezes mais amplo que qualquer hotel de luxo, com o tempo próprio que ali faz.

Isabel Sabino, janeiro de 2018

Four Seasons, Please! Galeria Arte Periférica, jan. fev 2019





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